quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A morte como obra de arte em The Following

Quando uma série inicia ao som de “Sweet Dreams”, reproduzida pela voz abissal de Marylin Manson, você já pode ter ideia do que vem por aí. Pois assim como o nome do referido cantor, The Following é uma mistura de dois clássicos, um da beleza e outro da loucura assassina. Mais uma série de sucesso produzida nos EUA, sua narrativa conta a história de Joe Carrol (interpretado por James Purefoy), um professor que dava aulas de literatura numa universidade e que se torna um serial killer. Como se isso não bastasse, ele realiza seus crimes em referência a obra de seu ídolo, o escritor Edgar Allan Poe (1809-1849). Ryan Hardy (por Kevin Bacon) é o policial mocinho da parada. Depois de ser afastado da polícia por problemas de saúde (física e psicológica), Hardy é chamado para recapturar o assassino do “verbo encarnado”. Isso mesmo! O primeiro episódio (vou narrar trechos) mostra Joe Carrol fugindo da penitenciária, após ter matado uma dúzia de agentes e fugir com as roupas e o carro deles, numa cena que lembra bastante as ações de Hannibal. Esse evento acontece alguns dias antes da execução marcada do psicopata, que havia matado até então 14 mulheres. Hardy prendera Joe em 2004 e agora terá que fazer novamente.

O contraste entre os dois protagonistas é um ponto forte da série. Enquanto Joe é carismático, articulado, influente, sedutor e confiante, Hardy é... digamos, o Kevin Bacon. (Brincadeira!). Na verdade o policial parece ser o oposto do assassino. Tem dificuldades de se relacionar, sofre com o álcool em excesso e com o marca-passo no coração, é solitário, azarado, traumatizado e sem amigos. Não dá nem para chamá-lo de herói. Por mais sombrio e calculista que Joe Carrol seja, a falta de luz parece estar mesmo é do outro lado. E isso faz com que o público se simpatize mais pelo vilão do que pelo mocinho. Para além desta apresentação aos leitores do TS, a seguir pretendo comentar dois elementos centrais da série. O fenômeno dos seguidores de Joe Carrol e a relação da arte com a vida na teoria humanóide.

1. Assassinatos, literatura, polícia... E você que não é espectador da série deve estar se perguntando o que afinal o título tem a ver com a série. É que ele se refere aos “seguidores” de Joe Carrol (tradução possível para “the following”). O carisma do algoz é tamanho que ele consegue atrair uma porção de fãs, tudo graças à cobertura midiática sobre seu caso e, sobretudo, a dois livros publicados, o de Carrol, fracasso de crítica e de público antes de sua prisão e o outro, de Ryan, escrito após a resolução do caso (o que torna o policial um especialista nas “táticas psicopatas” de Joe Carrol). Além disso, dentro da penitenciária o homicida usa sua sagacidade para acessar a Internet e recrutar seguidores, inclusive, um dos guardas, killer dog (tudo isso estará apenas no primeiro episódio, prometo não estragar as surpresas!). Na cadeia, Carrol recebe cartas e visitas de seus seguidores cujo fanatismo vai ao ponto de tirarem suas próprias vidas em prol da “arte”. O método de recrutamento de Carrol é bastante verossímil. Ele se aproveita de pessoas solitárias, fragilizadas, instáveis e carentes; correspondendo-as com carinho, atenção e encorajamento; fazendo-as acreditar serem fortes e iluminadas. A maneira de líderes de seitas religiosas ou de outras ordens, o ex-professor arruma uma posição/função para seus fieis, fazendo com que então passem a se sentirem acolhidos e dêem sentido a suas existências diante do caos da vida e do mundo.

Estas são técnicas de persuasão comuns em partidos, grupos, corporações e igrejas. Quem conhece o carisma de um pastor evangélico ao acolher um fiel, compreendendo seu sofrimento e tocando-lhe na ferida, sabe bem do que é feito o veneno/remédio de Joe Carrol. Igualmente permeado por ritos e rituais, rodeado a palavras que querem ganhar vida, a iniciação de batismo à seita do ex-professor, ao que parece, consiste em fazer o membro cometer um homicídio e sentir o gosto de sangue abençoado pela arte de Poe. Assim é construído o “comum”, tal qual uma linha que separa o “eles” do “nós”. A técnica desse recrutamento pode servir também para compreensão do contexto no qual a obra se insere enquanto produção fílmica.

Não é de hoje que os estadunidenses possuem um interesse desmedido por serial killer. É só contar a quantidade de séries e filmes que envolvem esse tema. Inclusive é possível traçar uma série das séries dos assassinos em série. Deixo para vocês fazerem esse trabalho! O que quero destacar aqui é o raciocínio segundo o qual liga a insegurança de uma sociedade a suas produções fílmicas. Enquanto o teórico Fredric Jameson destaca, sobre o filme Tubarão, que esse tipo de produto cultural é composto por um fator positivo responsável pelo consumo do público, que é a promessa de redenção utópica sob o signo do final feliz, o filósofo Gilles Lipovetsky e o cineasta Michael Moore salientam que este tipo de produção visa estimular ainda mais a insegurança e o medo. O objetivo é claro. Com a população fragilizada e insegura é possível aprovar uma centena de leis absurdas de segurança nacional. Inclusive aquela que, mesmo sem provas factíveis, o acusado de terrorismo fica automaticamente sob custódia. Além do mais, a insegurança alimenta a indústria de segurança interna e externa. Tanto vendendo armas, alarmes, câmeras e cercas elétricas, como incitando a espontânea contribuição financeira às forças armadas. É sabido que um fator de insegurança e fragilidade tomava conta do Estado alemão antes da eleição do partido nazista. Não à toa Hitler exaltava a força e apresentava o destino glorioso do povo alemão. Os escolhidos! Deu-se o encantamento, combustível para o motor daquela tragédia. Em 1964, o golpe de Estado no Brasil usou de um método parecido. Alardearam ao máximo o perigo da implantação forçada do comunismo no país e a repetição das atrocidades da URSS até que a sociedade civil apoiasse a intervenção militar. Houve resistência “comunista” em 64? Nenhuma! Onde estavam os vermelhos perigosos? Não importa. A mentira já estava plantada. Fiquem atentos, pois, a história se repete... só que diferente.  

2. Na bibliografia ocidental é recorrente a relação entre arte e vida ou da ética como estética. A proposta da série é explorar a obra de Edgar Allan Poe como expoente mais extremo desta relação, a que leva a um fim macabro. Enquanto para Nietzsche a vida se confundia com a arte e a dobradinha Deleuze-Foucault, de inspiração nietzschiana, exaltava a vida como obra de arte e defendia uma estética da existência, Poe compreendia a insanidade como arte e via como possível a equivalência entre morte e beleza. Reconhecido como inventor do conto policial, Poe é o tipo de escritor que, ao percorrer as zonas mais obscuras da mente humana, deixa o leitor angustiado até o final. Ou até depois. Ao menos nestes dois quesitos a série faz jus à referência do autor. Joe Carrol, ao tomar Poe como Bíblia, comete os assassinatos sem classificá-los como crime, para ele trata-se tão somente de arte. Mas a diferença entre a leitura que a série faz de Poe e as concepções da tradição nietzschiana é mais do que questão de grau. A segunda pensa a (est)ética relacionada a uma subjetivação, é um efeito de relação de força que o indivíduo provoca em si mesmo; diferente da moral, coletiva e coercitiva, trata-se de “um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica”, escreve Deleuze. Este processo se utiliza das chamadas “técnicas de si” (que Foucault foi buscar nos gregos antigos) para produzir modos de vida, estilos de existência que não são imutáveis. Tal técnica artística, ao contrário de Poe, multiplica vidas dentro de uma única existência, enquanto a leitura de Poe por Joe Carrol é uma arte que tem como suporte não exatamente a si próprio, mas o corpo e a vida alheios. É no outro que é produzido o quadro no qual o artista fúnebre desenha. A fixação pelos olhos, “as janelas da alma” para Poe, é trabalhada na série: as vítimas geralmente têm os olhos perfurados. No entanto, cabe mencionar que, a despeito das diferenças das concepções filosóficas, os dois pólos de “vida/assassinato como arte” têm um ponto em comum: o suicídio: uma ação do indivíduo sobre si mesmo.

Ainda a respeito da relação entre vida e arte, outro paralelo possível é a questão da narrativa como uma ficção produzida pela imaginação artística. No primeiro episódio da série, Joe Carrol “convida” Ryan Hardy para escreverem um novo livro. Mas não é um convite para se sentarem juntos em volta de uma mesa ou de um computador. A narrativa deste livro não será outra coisa senão os próprios acontecimentos dos assassinatos-artísticos que envolvem os dois personagens, herói e vilão. Isto é, não só os homicídios são obras de arte em si mesmas, mas o conjunto serial desses, a tentativa de resolução e captura dos criminosos fazem parte de uma trama maior. Tem-se então a descrição do próprio formato do que é a produção fílmica de uma “série continuada”. Ou seja, em cada capítulo narra-se uma estória da qual o público possa no mínimo acompanhar e compreender sem necessariamente saber de tudo o que aconteceu antes e que acontecerá depois. A evolução destes capítulos, com nó e desenlace, produz uma história que só pode ser compreendida em “longa-duração”, uma totalidade das partes em o todo fundamentado em princípio, meio e fim.

Conhecido pela proposta de analisar a Historiografia através de estruturas literárias, Hayden White acredita que um mecanismo parecido com uma produção artística é colocado a campo quando o historiador pretende contar uma história. Partindo da não oposição entre ficção e realidade, mas de complemento, ele acredita que a história faz a mediação entre acontecimentos neutros ou caóticos (reais) e as estruturas de enredo previamente reconhecidas numa dada cultura (ficção). O objetivo seria então tornar familiar aquilo que era estranho. Ao articular acontecimentos numa totalidade formal, já conhecida, o historiador produz sentido. Um filme recente foi mais longe. Com o título de Mais Estranho Que a Ficção, a comédia conta a história de um homem comum que tem sua vida narrada por alguém de fora. Tudo vai bem até que ele escuta o escritor de sua vida dizer que ele vai morrer em breve. Então ele corre para descobrir quem é o autor e convencê-lo a lhe deixar vivo. Para mim, o melhor da obra é propor o seguinte questionamento: se nossa vida for um destino escrito, qual é seu gênero ficcional? Romance, tragédia, comédia, epopéia, sátira, etc. Para White, isso vai depender do valor maior ou menor que atribuímos a determinados eventos.

Agora que já dei tantas voltas e que usei a série como desculpa para falar sobre história, filosofia e teoria é hora de acabar o post. A segunda temporada de The Following estréia em terras tupiniquins na próxima sexta-feira, amanhã (31/01). Fica a indicação. Apesar de a obra deixar a desejar, por perder a verossimilhança em algumas cenas (algo comum em filmes e séries de suspense), creio que o enredo é interessante e válido como entretenimento para as bucólicas tardes de domingo. Abaixo vou deixar um link para o download da primeira temporada. Hasta luego!

Referências e recomendações:

DELEUZE, Gilles. A vida como obra de arte. In:______. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992, p. 122-130.
JAMESON, Fredric. Marcas do visível. Rio de Janeiro: Graal, 1995.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, vol. 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri, SP: Manole, 2005.
MOORE, Michael. Tiros em Columbine. Estados Unidos, 2002. 1 (105 min.), DVD, son., color., documentário, legendado.
WHITE, Hayden. O texto histórico como artefato literário. In:_____. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 1994, p. 97-116.
MAIS Estranho Que a Ficção. Direção de Marc Forster. Produção de Lindsay Doran. Estados Unidos: Columbia Pictures, 2006. 1 (113 min.), DVD, son., color. Legendado.

The Following (download):

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Política vira religião no país em que tudo entra pela “porta dos fundos”

O fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante fascinada ♫
Humberto Gessinger


Como dito no post anterior, Papai Noel à fogueira, fiquei de comentar sobre um recente acontecimento que alimenta a atual discussão entre “religiosos” e “ateus” nas redes sociais do Brasil. O ensaio de Lévi-Strauss sobre o suplício de Papai Noel, ocorrido em 1951 na cidade de Dijon, incentivado pelo clero católico e também apoiado, naquela ocasião, pelos “evangélicos” franceses, me levou a pensar sobre a repercussão do vídeo “Especial de Natal” do grupo humorístico Porta dos Fundos, divulgado no YouTube, em semana de véspera natalina do ano de 2013. O texto que se segue é, portanto, uma espécie de artigo de opinião sobre o espectro político que envolve o assunto em terras tupiniquins.

Não é a primeira vez que, no Brasil pós-Internet, o humor gera polêmica e divide a opinião pública. O próprio grupo Porta dos Fundos já foi objeto de debates que envolvem liberdade de expressão e respeito ao culto religioso. Depois da publicação do vídeo “Deputado”, uma alusão ao pastor Marco Feliciano, deputado federal (PSC-SP) e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o grupo que já não era bem visto por evangélicos e simpatizantes foi respondido com um vídeo do Canal dos Crentes, intitulado “Porta da Frente”, no qual satirizam os comediantes do Porta dos Fundos associando-os às causas gays, antirreligiosas e dizendo nas entrelinhas que eles vão para o inferno. Desta vez, com o “Especial de Natal”, o grupo conseguiu desagradar tanto evangélicos como católicos. Abundam petições públicas contra o Porta dos Fundos, vídeos-resposta e ameaças de ações judiciais.

Uma consequência desse acontecimento me chamou atenção para um aparente paradoxo na esfera sócio-política. É interessante notar que determinadas personalidades, em geral intelectuais e jornalistas, autointituladas de “direita”, que antes defendiam com unhas e dentes a liberdade de expressão, agora se posicionam contra a mesma.  Isto me confirma provisoriamente pelo menos duas coisas. Primeiro que esse supernutrido binarismo político-ideológico brasileiro precisa ser usado com muita cautela e transitividade. As ideias políticas não podem ficar reduzidas a uma oposição maniqueísta entre esquerda e direita, como uma luta messiânica do bem contra o mal, que é encarnada a gosto do usuário da língua escrita ou falada.

Só para dar dois exemplos da complexidade da realidade que envolve a política pensemos o seguinte. A direita se diz herdeira tradicional das liberdades individuais e do capitalismo. Não por acaso, comediantes como Danilo Gentilli e Rafinha Bastos, ao se envolverem em polêmicas e processos judiciais, se aproximaram da direita, dizendo-se paladinos da liberdade de expressão. Agora sua classe profissional é atacada justamente pelo seguimento ao qual se identificaram. O Papa Francisco, maior autoridade da Igreja Católica, instituição tradicionalmente vinculada à direita conservadora, tem feito afirmações de que uma das prioridades atuais é reduzir a desigualdade social e conter a selvageria do capitalismo. Certos simpatizantes da direita dizem agora que o Papa é comunista e precisa ser excomungado (simplesmente porque ele pensa em justiça social). Claro que o Papa não é economista, nem político profissional, mas também não é tolo de achar que o mundo se restringe em esquerda (comunista) e direita (capitalista). Até Reinaldo Azevedo da Revista Veja, elogiado por aqueles que se vinculam ao conservadorismo, já ponderou que a crítica da Igreja ao materialismo é de longa data e não tem nada de “comunismo marxista” nisso (clique aqui para ler).

A despeito desta complexidade, existe um cem número de lunáticos que querem a qualquer custo reunir todo um conjunto incontável de posições em apenas um adversário, um inimigo contra o qual se deve lutar. Infelizmente, existem milhares de seguidores cegos desses profetas que se dizem portadores da luz, seja de quaisquer vertentes as quais se autoidentificam (“esquerda” ou “direita”). Numa era em que as informações “viajam na velocidade da luz” e que a interatividade se faz constante, penso que é chegada à hora da emancipação intelectual! Saber ouvir os outros e raciocinar por si próprio. Ninguém vai “fazer a cabeça” de alguém que já saiu da menoridade de pensamento. Mas é claro que a “maioridade” não é um estado do qual se chega e não sai mais. Pelo contrário! Não há zona de conforto. Pensar, analisar, refletir é um exercício como qualquer outro. Se o sujeito pára, atrofia.

A segunda lição que podemos safar desse debate é a falta de critério utilizada para acusar os que divergem de uma totalidade político-ideológica forjada pelo acusador. Essa falta de critério tem um fundamento. Ela é baseada numa política narcísica. Tem a ver com a ideia, não raras vezes propagada, de querer transformar a esfera pública na esfera privada, submetendo a primeira à última. Fazendo da praça pública nada mais que uma extensão de sua casa. Alguns acontecimentos recentes no Brasil ilustram isso melhor do que qualquer metáfora filosófica. Vou usar como exemplo o que convencionalmente se chama por aqui por “direita” (liberal ou conservadora). Pode-se dizer várias ofensas, discriminações e acusações contra ateus, gays, feministas, comunistas, petistas, ativistas, anarquistas, muçulmanos e outros simplesmente por estes acreditarem em seus objetos de crenças ou participarem de grupos que se identificam com ideais e práticas. Pode-se, inclusive, fazer piada de identidades ou subjetividades étnicas, sociais ou sexuais (mulheres, negros e gays ainda são alvos em voga). “Isso é liberdade expressão garantida por lei graças ao nosso maravilhoso Estado liberal!”, dizem muitos (inclusive aqueles que crêem vivermos numa ditadura comunista-lulista). Ou podem dizer: “foi só uma piada!” Mas aí quando a ofensa é feita a algo em que se identificam, a regra da liberdade de expressão muda. Agora ela não vale mais. O que passa a valer a partir daí é a liberdade de crença, de culto e, sobretudo, o crime contra sentimento religioso. Gravar um vídeo satirizando personagens bíblicos não pode, mas xingar o outro de psicopata e pedófilo está liberado. Tudo isso é muito humano e cristão, não é mesmo?

A crítica ao capitalismo é tomada da mesma forma. Descer a lenha no comunismo é muito louvável. Igualá-lo ao nazismo configura-se então numa passagem direta para o paraíso em que Ludwig von Mises é Deus e Margareth Thatcher é a versão feminina de São Pedro (ver aqui). Por outro lado, fazer críticas ao capitalismo aí já é coisa do capeta ou, noutra equivalência, é coisa de comunista. Só comunistas fazem críticas ao capitalismo, segundo o pensamento de alguns. Novamente é apresentada a “totalidade forjada” em posições que se reduzem tão somente a duas: esquerda ou direita, necessária e respectivamente, comunista ou capitalista. Lembro-me de Giorgio Agamben repetir recentemente o que Walter Benjamin já havia escrito no século passado, “o capitalismo é uma religião”. E os fiéis religiosos do capitalismo no Brasil têm mais do que nunca sacralizado tal sistema econômico. Esse mesmo que foi projeto para nos servir em vez de nós servirmos a ele. Não se trata aqui de defender o comunismo, mas, por outro lado, atacá-lo é como bater em bêbado. Ah como seria bom se o capitalismo melhorasse na medida em que atacamos o comunismo! Mas já sabemos, não resolve nada.

Voltemos à questão das esferas pública e privada. Ora, essa política baseada nas preferências particulares dos indivíduos boa coisa não pode dar. Defender um conjunto de princípios fechados em sua casa é uma coisa. Estendê-los a toda a sociedade é bem mais complicado do que parece ser. Isso pode gerar um totalitarismo pior do que qualquer Estado comunista ou fascista foi capaz impor até hoje. Claro, vai ser lindo se você, bonitão, estiver do lado de quem está no cargo de poder soberano. Se estiver junto daqueles que representam suas preferências a ponto de universalizá-las e impô-las a todos os demais (mas se esse não for o caso?). É a isso que eu chamo de política narcísica. O narcisista, como nos mostra o psicólogo americano Christopher Lasch,¹ não é simplesmente o sujeito que acha lindo ao se olhar no espelho, mas o que deseja olhar para fora, para a sociedade e se reconhecer totalmente nela, mergulhar e morrer afogado nesse mar de gente. O fato acontece porque ele não quer reconhecer ou não reconhece mais o limite em que termina o indivíduo e começa a sociedade. E isso ocorre porque ele é apaixonado demais em si e deseja que o externo seja tão somente uma extensão do seu próprio corpo, da inebriante beleza da qual ele se vê portador.

Filósofos como Immanuel Kant² e Hannah Arendt,³ que não têm a ver com o comunismo, pelo contrário, acho até que são liberais republicanos, já ponderam sobre a necessidade de construirmos uma sociedade em que a vida pública seja distinta da vida privada. Claro que acredito que a liberdade de expressão deve possuir limites acordados pela sociedade. Opinião que deixei clara num post do ano passado sobre o humor. Na ocasião até elogiei o Porta dos Fundos* por eles terem feito um vídeo que, em minha opinião, tinha colocado muita gente para refletir sobre o universo não girar em torno de seus umbigos. Obviamente isso não exclui minha opinião de que quem se sentiu ofendido ou discriminado deve reivindicar seus direitos, inclusive, no judiciário, caso ache necessário. O que quis chamar atenção aqui foi para a falta de despersonalização do critério ético, transformada em hipocrisia, que acusa o outro da mesma coisa contra a qual se revoltou. Sem a noção de alteridade fica impossível viver em uma sociedade democrática – creio que pelo menos nisso podemos concordar. Penso, por isso, que uma política aberta, plural e federalizada, poderá ser a mais adequada para que as preferências pessoais, divergentes e até conflitantes, possam existir sem serem doenças para o convívio social. A regra ética segundo a qual diz para não fazer com o outro aquilo que não queremos que façam conosco, parece-me ainda bastante válida.      

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¹ O livro de Lasch se chama A cultura do narcisismo.
² Indico duas obras de Kant para o tema: O que é o esclarecimento? (clique aqui para baixar‎) e A metafísica dos costumes (clique aqui para baixar).
³ De Hannah Arendt eu indico a obra A condição humana (clique aqui para baixar).
* Para finalizar essa chuva de referência, recomendo o vídeo em que Marília Gabriela entrevista dois membros do Porta dos Fundos (gravado em agosto de 2013). Eles explicam entre outras coisas que não pretendem fazer vítimas como no humor baseado no preconceito contra minorias. (clique aqui para assistir).

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Papai Noel à fogueira: um ensaio de Lévi-Strauss

Fundador da antropologia estruturalista, o francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009) é um dos cientistas sociais mais importantes do século passado. Trabalhou na recém-construída Universidade de São Paulo, para a qual Célestin Bouglé (o então diretor da Escola Normal Superior da França) lhe propôs apresentar sua candidatura acreditando haver milhares de índios nos subúrbios paulistanos. A possibilidade de trabalhar no Brasil agradava Lévi-Strauss pelo fato de ultrapassar a filosofia especulativa de sua formação e se dedicar empiricamente a jovem disciplina de etnologia. Em três anos no país ele conheceu e estudou algumas etnias indígenas, experiência que ficou descrita principalmente em seu livro Tristes Trópicos. Em 1939, voltou à França, mas devido à ocupação nazista, buscou exílio nos EUA, país em que fora obrigado a encurtar seu nome para evitar a confusão com a marca de jeans homônima. Segundo conta François Dosse, não havia um ano em que ele não recebia um pedido de encomenda de jeans para África (1993, p. 32-33). Com o término da guerra, agora já retornado ao seu país, foi nomeado, em 1959, para a cadeira de antropologia social do respeitado Collège de France, universidade onde lecionou por mais de 20 anos.

O suplício do Papai Noel é um ensaio curto em que Claude Lévi-Strauss analisa um curioso acontecimento de véspera de natal na França. Em 24 de dezembro de 1951, nas grades da Catedral da cidade de Dijon, Papai Noel foi queimado publicamente, contando ainda com a presença de centenas de crianças dos orfanatos locais. A execução simbólica foi incentivada pelo clero que “condenara Papai Noel como usurpador e herege. Ele foi acusado de paganizar a festa de Natal e de se instalar como um intruso, ocupando um espaço cada vez maior”, registra o jornal France-Soir, de 1951. O post que se segue é um resumo do ensaio de Lévi-Strauss e me será útil para comentar (num próximo texto) sobre um recentíssimo acontecimento no Brasil, que alimenta a discussão entre ateus e religiosos sobre a liberdade de expressão.

O acontecimento em Dijon gerou polêmica e dividiu a opinião pública. Um estranho paradoxo foi notado por Lévi-Strauss nas discussões. Os anticlericalistas, geralmente cientificistas, defendiam Papai Noel, logo, o irracionalismo e a superstição, enquanto, por outro lado, a Igreja se posicionou ao lado da racionalidade e do espírito crítico. Mas ninguém se perguntou afinal por que os adultos inventaram Papai Noel. É a esta questão que o ensaio antropológico se direciona. Para respondê-la, Lévi-Strauss realiza uma longa digressão que passa a explicar a eclosão do festivo natalino na França, a gênese histórica do Natal moderno e a função sócio-estrutural a qual esse rito se presta.

Com a melhora econômica da França após a II Guerra Mundial, houve uma mudança na comemoração de Natal que se explica, em parte, pela influência e prestígio dos EUA em terras galesas. Isto podia ser observado na época pelos inúmeros pinheiros, adornos em papéis de presente, cartões, Exércitos da Salvação e pessoas trajadas de Papai Noel nas lojas. Contudo, seria simplista explicar apenas pela influência americana. Outras razões apontadas são os muitos estadunidenses que moravam na França e comemoravam o Natal à maneira yankee; os cinemas, as revistas e os romances que tornaram o costume conhecido; o prestígio dos EUA devido a seu poderio militar e econômico (modelo portanto espelhado por outras sociedades ocidentais); o Plano Marshall e a importação de mercadorias de Natal. Por outro lado, poderia se objetar que as camadas economicamente mais baixas da sociedade que desconhecem a origem desses ritos, bem como os meios operários sob influência comunista, que rechaça o “estilo de vida americana”, adotaram o costume como qualquer outro grupo social. O antropólogo explica então que não se trata de uma difusão simples, mas, como anotou Kroeber: uma “difusão por estímulo”. Invés de o costume ser assimilado por importação, ele provoca o “surgimento de um uso semelhante ao que já estava potencialmente presente”. A metáfora segundo a qual a planta só pode germinar em solo fértil é bastante instrutiva para ilustrar o caso. Por exemplo, um fabricante de papel viaja a negócios aos EUA e lá descobre um papel de presente muito mais elaborado do que o que ele vendia. A dona de casa o compra por lhe satisfazer uma exigência estética, isto é, uma disposição afetiva, já existente, se materializa com o adereço encontrado.

Embora haja traços arcaicos, a festa natalina moderna ascendeu na França antes da Segunda Guerra. No século 19, o pinheiro chega ao país. O verbete noël designa, em um dicionário da época, um ramo de pinheiro com enfeites, guarnecido de balas e brinquedos, que se oferece a crianças. A variedade de nomes que se dá àquele que distribui os presentes (Papai Noel, São Nicolau, Santa Claus) mostra que a figura é resultado de convergência e não de protótipo conservado. A comemoração que teve apogeus e declínios, expressa em sua versão americana apenas uma encarnação mais moderna. Papai Noel, especificamente, é uma criação recente, e mais recente ainda é a crença de que ele vive na Groelândia; fato este que obriga a Dinamarca (dona do território) a manter uma agência especial dos correios por lá, só para receber cartas do mundo todo destinadas a Papai Noel. Acredita-se que essa crença foi difundida durante a estadia de tropas americanas na Groelândia e Islândia durante a Segunda Guerra Mundial. Todavia, as renas já apareciam em documentos renascentistas (sécs. 14-16) como troféus durante as festas natalinas. São partes dos elementos históricos de uma tradição que se funde e se refunde.

Analisado pela simbologia antropológica de Lévi-Strauss, Papai Noel, ao vestir vermelho, é um rei. Botas, roupas pesadas, peles, barbas brancas e trenó evocam o inverno. Sua idade revela a forma benevolente da autoridade dos antigos. Não é um ser mítico. Mas sem dúvidas pertence à família das divindades. As crianças prestam-no culto em certas épocas do ano sob a forma de pedidos e de cartas. Ele recompensa os bons e priva os maus. É, portanto, a divindade de uma categoria etária. Só não é uma divindade verdadeira porque os adultos não acreditam nele, embora incentivem as crianças a acreditarem. Tal divindade liga-se aos ritos de iniciação de uma sociedade, pois divide as crianças dos adultos e adolescentes. Estas divisões são comuns em todas as sociedades. É raro encontrar uma sociedade em que as crianças (e também muitas vezes as mulheres) não são “excluídas” da sociedade dos homens devido à ignorância de certas crenças e mistérios alimentada pelos últimos, e que estes revelam num momento oportuno, sacramentando assim a passagem entre dois mundos – aponta o pesquisador (p. 24). Os ritos de iniciação têm a função de ajudar os mais velhos a manter a ordem e a obediência entre os mais novos. O Papai Noel, por exemplo, é evocado para que as crianças se comportem e para disciplinar suas reivindicações de presentes, uma espécie de figura de negociação entre as gerações.

Partindo destas considerações, o autor faz uma analogia entre Papai Noel e as katchinas; personagens de uma determinada sociedade indígena, situada no sudoeste dos EUA, que encarnam deuses e ancestrais. Trata-se na realidade de índios adultos usando vestes e máscaras que aparecem na aldeia para dançar e punir ou recompensar as crianças sem que elas saibam quem está por baixo da roupa. Segundo o mito indígena, as katchinas são crianças que morreram afogadas, mas que voltavam da além-vida para assombrar a aldeia, raptando algumas crianças. Os pueblos teriam então feito o acordo de representarem estas entidades numa época do ano para ficarem livres dos assombros. Para Lévi-Strauss, a questão da ordem é secundária, pois em primeiro lugar a função das katchinas é provar a morte e dar o testemunho da vida após a morte. Daí explica-se a repartição da sociedade em duas, entre iniciados (adultos) e não-iniciados (crianças). As crianças são excluídas porque elas são as próprias katchinas. Seu lugar é outro: não com as máscaras e os vivos, mas com os deuses e os mortos. Isto é, com as divindades que são os mortos. E os mortos são as crianças. O mesmo se aplica a sociologia iniciática que envolve Papai Noel. Para além da oposição entre adultos (que sabem) e crianças (que ignoram), há uma oposição simbólica mais profunda, entre vivos e mortos.

A análise sincrônica da antropologia é confirmada também pela análise diacrônica de folcloristas e historiadores da religião. Para estes, a origem de Papai Noel se encontra no Abade de Liesse (Abbas Stultorum), ou Lord of Misrule, personagens que são reis do Natal (reis de um período, temporários), herdeiros do rei das Saturnais da época romana. As Saturnais eram festas dos mortos por violência ou sem sepultura. Para o estudo diacrônico, Papai Noel moderno é a fusão sincrética de algumas figuras: Abade de Liesse, bispo-menino eleito sob a invocação de São Nicolau, e o próprio São Nicolau, cuja festa liga-se a crença relacionada a meias, sapatos e chaminés. Abade de Liesse reinava interinamente dia 25 de dezembro; São Nicolau tinha a festa dia 6 de dezembro; os bispos-meninos em 28 de dezembro; e o Jul escandinavo era comemorado também em dezembro. Supõe-se que a Igreja marcou a data do natal para dia 25 para substituir as festas pagãs do dia 17 que, no fim do Império Romano, ia até dia 24. Nota-se, portanto, não uma sobrevivência totalmente contínua, mas uma fusão e transmutação de elementos festivos de Natal.

As festas Saturnais e o Natal da Idade Média podem explicar o sentido profundo da estrutura em tais instituições recorrentes que se mostra na superfície do Natal moderno. É perceptível que as festas de dezembro da Antiguidade à Idade Média possuem características semelhantes: decoração das casas com folhagens verdes; presentes são trocados ou dados às crianças; alegria e festejos; confraternização entre ricos e pobres, senhores e servos. As Saturnais romanas e o Natal medieval são reuniões e comunhões! Escravos e servos sentam-se a mesa farta e os senhores tornam-se seus servidores. Homens e mulheres vestem as roupas uns dos outros. Mas ao mesmo tempo a sociedade se reparte ao meio. Nessa divisão, a juventude fica autônoma e elege seu soberano. Em geral com o título aproximado de Senhor da Desrazão. Ao que esse título indica, a juventude age de maneira enlouquecida, cometendo abusos contra a outra parte da população, desde xingamentos a assassinatos. Segue a ideia de “colocar os demônios para fora”. Uma espécie de negociação com a escuridão para receber novamente a luz, que o filme The Purge (2013) traz uma versão pós-moderna e secularizada. Assim, o clima de solidariedade dá lugar ao antagonismo exacerbado, tanto nas Saturnais como no Natal medieval. O Abade de Liesse é quem realiza a mediação entre estes dois aspectos, contendo os excessos e estabelecendo os limites. Mas o que esta figura tem a ver com seu descendente remoto, o velho Noel?

Lévi-Strauss na Amazônia, em 1936
Ora, do ponto de vista histórico, Papai Noel resulta do deslocamento da festa de São Nicolau (6 de dezembro), assimilada a comemoração de Natal, três semanas depois. “Um personagem real se tornou um personagem mítico; uma emanação da juventude, simbolizando seu antagonismo em relação aos adultos, fez-se símbolo da idade madura, tradução da disposição benévola em relação à mocidade; o apóstolo das más condutas é incumbido de sancionar as boas condutas” (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 36-37). Em nossa sociedade contemporânea, a juventude perdeu lugar como categoria etária específica, logo a “desrazão” do Natal perdeu seu apoio como havia no medievo e nas Saturnais. É interessante notar que as crianças na Idade Média não esperavam seus presentes, mas iam de casa em casa, disfarçadas, cantando e recebendo doces e frutas. Seus disfarces as transformavam em espíritos e fantasmas, suas músicas evocavam a morte para fazerem valer seus pedidos. As coletas começavam em geral três semanas antes do Natal. Estes rituais também ocorriam em outras épocas do ano, mas especialmente no outono. Assim, o primeiro período peditório, o Hallow-Even, é na véspera do dia de todos os santos. Crianças vestidas de fantasmas e esqueletos perseguem os vivos (adultos). O avanço do outono até o solstício marca o resgate da luz e da vida: “retorno dos mortos, suas ameaças e perseguições, o estabelecimento de um modus vivendi com os vivos na festa do intercâmbio de serviços e presentes, e, por fim, o triunfo da vida, quando no dia de Natal os mortos, cobertos de presentes, deixam os vivos em paz até o próximo outono” (p. 40-41).

Neste sentido, o antropólogo questiona: quem pode personificar os mortos numa sociedade de vivos senão todos os que não estão completamente integrados ao grupo, que participam da alteridade dual entre vivos e mortos? Não à toa, estrangeiros, escravos, crianças e mendigos são os principais beneficiários da festa. “Não surpreende, pois, que o Natal e o Ano Novo (seu duplo) sejam festas de presentes: a festa dos mortos é, na essência, a festa dos outros, visto que o fato de ser outro é a primeira imagem aproximada que podemos construir a respeito da morte” (p. 43). Finalmente, o autor diz que agora é possível responder as principais indagações do ensaio que ficaram implícitas. Por que a figura de Papai Noel ganha espaço e por que a Igreja está preocupada?

Papai Noel é herdeiro e ao mesmo tempo antítese do Senhor da Desrazão. Essa transformação indica uma melhora em nossa relação com a morte, porque agora podemos ficar quites com ela sem precisar permitir temporariamente a subversão da ordem e das leis. Essa relação é regida atualmente por uma entidade benevolente, podemos ser generosos, oferecer presentes e brinquedos, símbolos. A Igreja cristã está certa em se preocupar com o paganismo de Papai Noel. O fortalecimento deste é o enfraquecimento da relação entre mortos e vivos. Diametralmente, esse enfraquecimento mostra o medo da morte, como representação em termos de empobrecimento, rigidez e privação. O que os adultos demonstram ao prestigiarem Papai Noel é o desejo de acreditar numa generosidade irrestrita, gentileza desinteressada, suspensão do receio, da amargura e da inveja. Claro, eles não podem compartilhar plenamente desta ilusão, mas alimentada nos outros (nas crianças), ela fornece aquecimento a alma (p. 45).

Dizer às crianças que o presente vem do além é uma saída para ofertá-los ao além, aos mortos. Mas, como mostra James Frazer, há uma diferença significativa entre cristãos e pagãos em relação aos mortos. Os últimos rogam aos mortos, enquanto os primeiros rogam pelos mortos. Todavia, cabe perguntar se o homem moderno não pode exigir o direito de ser pagão – como ficou entrevisto na reação dos anticlericalistas ao “racionalismo” da Igreja. Frazer mostra também que algo se perdeu entre as Saturnais e o Natal da Idade Média. É que o rei das Saturnais remonta a um protótipo antigo que depois dos excessos da “desrazão” era sacrificado no altar de Deus. Ironicamente, graças ao clero da cidade de Dijon e a fogueira moderna de Papai Noel, o herói foi totalmente reconstituído depois de um hiato de milênios.  

Referências:

DOSSE, François. História do estruturalismo, vol. 1: o campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: Ed. Da Unicamp, 1993.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O suplício do Papai Noel. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
THE PURGE.* Diretor: James DeMonaco. Produtor: Michael Bay. Universal Pictures. EUA, cor, 2013, 85min.
*Em português-brasileiro o filme recebeu o título de “Uma Noite de Crime”, creio que “O Expurgo” traduziria mais adequadamente a ideia da trama. 
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