Era uma vez uma piscina de água quente
chamada Iluminismo. E como era bela e atraente. Acreditava-se que ali seria
mesmo o paraíso propício para nascer e crescer os seres e as coisas mais
genuínas e iluminadas. Suas águas eram límpidas, asseadas e refletiam a luz do
sol. Assim como o mundo nasceu das águas fervilhantes e precisou de um certo
resfriamento para formar os seres sólidos, o primeiro sistema filosófico nasceu
a partir do esfriar das águas desta piscina. Ele se chamava Liberalismo.
Sujeito franco, com ar aristocrático, despojado e muito inteligente das coisas
que se passavam naquela piscina. Suas ideias encantavam a todos e causava medos
nos que não ousavam entrar na piscina, no Iluminismo. Defendia liberdades, já
crescido, com sua grandeza e força aos poucos conseguiu expulsar para longe os
intrusos que o espreitavam a beira da piscina sem nela nunca terem entrado.
Enfim, podia ser soberano naquele lugar e em toda redondeza terrena a sua volta.
Mas após certo tempo as coisas começaram
a desandar. Problemas apareceram. Os planos de soberania do Liberalismo não saíram
da maneira planejada. Ele acreditava que a essência dos seres era boa, mas ao
ver que alguns descontentes estavam sujando as águas do Iluminismo, pois não
viam justiça em suas regras, começara a usar sua corpulência e autoridade para
punir os infratores e os descontentes. O sangue derramado por sua violência fez
nascer alguns pequenos sistemas filosóficos políticos como o Fourierismo e o
Saint-Simonismo, porém, apesar de resmungarem ideias aparentemente mais
igualitárias não conseguiram viver muito tempo para derrubar o Liberalismo.
Contudo, os problemas se seguiam, e quanto mais violência para resolvê-los, mais
suja a água ficava e menos refletia a luz. Até que nasceu um outro sistema
filosófico, o Anarquismo. Sujeito revoltado que praguejava aos quatro ventos,
reclamava da situação daquele lugar e do insucesso dos outros sistemas
filosóficos, acusava o Liberalismo de autoritário e egoísta. Mas apesar do
espírito eruptivo, o Anarquismo no fundo tinha um bom coração, uma solidariedade
ímpar e um olhar esperançoso muito parecido com o do Iluminismo na infância. O
Anarquismo tinha um plano excelente, mas aparentemente irrealizável para limpar
as águas da piscina. Pois, para que desse certo era preciso que o Liberalismo
se desfizesse de seus privilégios e de seu autoritarismo, pois ele entendia que
a solução para os problemas era dar mais liberdade e igualdade, enquanto, o
Liberalismo já estava convicto de que a liberdade sem coerção era um mal.
Mesmo que o Anarquismo interpelasse os
outros eles não acreditavam em seus sonhos, pois diziam que as águas jamais
seriam limpas. O Liberalismo, muito maior e, já impaciente com o Anarquismo lhe
deu algumas bofetadas. Mas o Anarquismo teria agora um parceiro com que podia
unir forças, nascera o Marxismo. Sujeito inteligente, crítico, tinha um forte
poder de persuasão, entendido das realidades nas profundezas das águas, possuía
ideias igualitárias que propunham a limpeza das águas, porém bastante
burocráticas e que teriam que passar diretamente por sua arrogância de
sabedoria. O Marxismo era mesmo de dar nos nervos, rapaz brigão, sempre
arrumando confusão, mesmo menor que o Anarquismo lhe deu vários socos na cara.
E o Anarquismo como um bom cão voltava a ter amizade com ele.
Durante uma época de bastante sujeira
nas águas, o Liberalismo aparentemente infectado ficara doente. O Marxismo e o
Anarquismo aproveitaram para lhe encher de porrada e tomar um pedaço
considerável da piscina. Foi então que o Anarquismo viu quem era seu amigo,
pois quando tentou estabelecer um diálogo com suas ideias, o Marxismo, agora
mais forte e soberbo, lhe espancou como nunca antes e expulsou-o de seu lado
dominado. Assim, o Anarquismo teve que voltar para o lado do Liberalismo, que
era mais resiliente e permissivo. Após este acontecimento o Marxismo construiu
um muro para salvaguardar seu mundo particular, mas era um muro baixo que
permitia olhar para o “quintal” do vizinho e até tramar uma futura invasão. O
Marxismo propôs a limpeza das águas, mas seu plano era algo autoritário e que
parecia não terminar nunca. Era necessário obedecer com sofreguidão suas
regras.
E enquanto isso, o Iluminismo estava cada
vez mais sujo e obscuro. Nem de longe parecia o paraíso como dantes. O
Liberalismo doente e exercendo mal sua soberania, deu possibilidade para o
nascimento de outro sujeito. Atendia-se pelo nome de Nazismo. Queiram vocês não
conhecê-lo jamais. Mas era também, como os outros, filho do Iluminismo e
nascera de suas águas (já sujas, é verdade). Nazismo era um sujeito autoritário,
possuía uma mistura de sapiência e misticismo estranha, porém seu poder de persuasão
e a crise que atravessavam todos na piscina possibilitaram sua ascensão. Foi
crescendo aos poucos e suas práticas operavam sob um silêncio sepulcral. A
propaganda em seu favor era muito forte, sua dominação em determinada área da
piscina era como no balanço de um pêndulo hipnótico.
A partir de certo tempo o crescimento do
Nazismo estabeleceu companheiros tão autoritários e violentos quanto ele, o
Fascismo era um desses. Sua hegemonia começou a preocupar o Marxismo e o
Liberalismo, seus eternos rivais. Foi então que o Nazismo aproveitando da
doença do Liberalismo começou a avançar sobre sua área usando de métodos de
horror explícito. Foi preciso, por isso, uma união impensável, entre Marxismo e
Liberalismo para que as águas uma vez límpidas do Iluminismo não se tornassem
negras de tanto sangue. Graças ao Marxismo, forte e guerreiro, e a inteligência
e experiência do Liberalismo, o Nazismo e o Fascismo foram derrotados. Contudo,
alguns filhos militares ilegítimos ainda apareceram, como o Franquismo, o
Salazarismo e o Costa-e-Silvismo sob a resiliência do Liberalismo.
Depois desta longa batalha, o
Liberalismo conseguiu recuperar sua saúde, ainda a duras penas, é verdade.
Durante longos anos dividiu com o Marxismo a hegemonia da piscina. Mas as águas
estavam sujas para ambos os lados. Com o passar do tempo, o autoritarismo do
Marxismo foi aumentando e seu plano de limpeza nunca chegava ao fim, foi então
que aqueles que moravam do seu lado começaram a olhar por cima do muro. E do
lado de lá enxergavam um líquido que não tinha no mundo de cá. Convenhamos que
dentro de uma piscina de água quente um líquido gelado cai muito bem. Esse
líquido de cor negra, que chamavam de Coca-Cola, era a maior propaganda do
Liberalismo. Descontentes, os marxistas quebraram o muro que os separavam dos
liberais e puseram fim ao sonho de uma sociedade igualitária (que não era nada
igual até aquele momento). Enfim, puderam experimentar a Coca-Cola. A piscina
passava novamente disposta à soberania do Liberalismo com uns pequenos focos dos
filhos do Marxismo.
Mas o Liberalismo sofreu fortes abalos e
quase teve uma parada cardíaca há pouco tempo. O Anarquismo que esteve sumido
durante muito tempo é olhado com mais cautela nos tempos safados. Mas alguns
dizem que ele precisa se libertar dessa piscina, se reinventar, desistir dos
sonhos de uma piscina eternamente limpa aceitando que o lodo que se forma em
seu chão é um ser natural e irremovível. Seria então melhor sair logo desta
piscina. Alguém te estende à mão do lado de fora. É o Pós-Estruturalismo,
rapazinho desacreditado da piscina, odeia líquido, prefere o ar, nem fez
questão de entrar na água. E mesmo sem nela ter mergulhado já xingou o
Liberalismo de santo e rapadura e colocou em vexame o Marxismo, que por sua
vez, está dramaticamente se afogando e às vezes estende a mão na superfície
pedindo socorro ao velho amigo surrado Anarquismo, enquanto o Liberalismo
assiste a cena de digna de Hollywood num canto da piscina.
O Pós-Estruturalismo
grita para que o Anarquismo não salve o Marxismo, mas o Anarquismo muito
confuso e generoso fica em dúvida. O Anarquismo tem vários “eus” dentro de si,
uns pedem para salvar o Marxismo e novamente travar batalha contra o
Liberalismo pela hegemonia da piscina, mas outros “eus” querem sumir daquele
lugar e montar moradia em outro local que não seja aguado demais. Em
contrapartida, o Pós-Estruturalismo não tem nenhum projeto coletivo, não visa
uma utopia, só quer sair dali e ver os que ficaram na piscina se afogarem a
qualquer momento. O que fará o Anarquismo? O que acontecerá na piscina? Isso só
os deuses do tempo nos dirão.
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