terça-feira, 17 de abril de 2012

Fábula dos sistemas filosóficos políticos

Era uma vez uma piscina de água quente chamada Iluminismo. E como era bela e atraente. Acreditava-se que ali seria mesmo o paraíso propício para nascer e crescer os seres e as coisas mais genuínas e iluminadas. Suas águas eram límpidas, asseadas e refletiam a luz do sol. Assim como o mundo nasceu das águas fervilhantes e precisou de um certo resfriamento para formar os seres sólidos, o primeiro sistema filosófico nasceu a partir do esfriar das águas desta piscina. Ele se chamava Liberalismo. Sujeito franco, com ar aristocrático, despojado e muito inteligente das coisas que se passavam naquela piscina. Suas ideias encantavam a todos e causava medos nos que não ousavam entrar na piscina, no Iluminismo. Defendia liberdades, já crescido, com sua grandeza e força aos poucos conseguiu expulsar para longe os intrusos que o espreitavam a beira da piscina sem nela nunca terem entrado. Enfim, podia ser soberano naquele lugar e em toda redondeza terrena a sua volta.

Mas após certo tempo as coisas começaram a desandar. Problemas apareceram. Os planos de soberania do Liberalismo não saíram da maneira planejada. Ele acreditava que a essência dos seres era boa, mas ao ver que alguns descontentes estavam sujando as águas do Iluminismo, pois não viam justiça em suas regras, começara a usar sua corpulência e autoridade para punir os infratores e os descontentes. O sangue derramado por sua violência fez nascer alguns pequenos sistemas filosóficos políticos como o Fourierismo e o Saint-Simonismo, porém, apesar de resmungarem ideias aparentemente mais igualitárias não conseguiram viver muito tempo para derrubar o Liberalismo. Contudo, os problemas se seguiam, e quanto mais violência para resolvê-los, mais suja a água ficava e menos refletia a luz. Até que nasceu um outro sistema filosófico, o Anarquismo. Sujeito revoltado que praguejava aos quatro ventos, reclamava da situação daquele lugar e do insucesso dos outros sistemas filosóficos, acusava o Liberalismo de autoritário e egoísta. Mas apesar do espírito eruptivo, o Anarquismo no fundo tinha um bom coração, uma solidariedade ímpar e um olhar esperançoso muito parecido com o do Iluminismo na infância. O Anarquismo tinha um plano excelente, mas aparentemente irrealizável para limpar as águas da piscina. Pois, para que desse certo era preciso que o Liberalismo se desfizesse de seus privilégios e de seu autoritarismo, pois ele entendia que a solução para os problemas era dar mais liberdade e igualdade, enquanto, o Liberalismo já estava convicto de que a liberdade sem coerção era um mal.

Mesmo que o Anarquismo interpelasse os outros eles não acreditavam em seus sonhos, pois diziam que as águas jamais seriam limpas. O Liberalismo, muito maior e, já impaciente com o Anarquismo lhe deu algumas bofetadas. Mas o Anarquismo teria agora um parceiro com que podia unir forças, nascera o Marxismo. Sujeito inteligente, crítico, tinha um forte poder de persuasão, entendido das realidades nas profundezas das águas, possuía ideias igualitárias que propunham a limpeza das águas, porém bastante burocráticas e que teriam que passar diretamente por sua arrogância de sabedoria. O Marxismo era mesmo de dar nos nervos, rapaz brigão, sempre arrumando confusão, mesmo menor que o Anarquismo lhe deu vários socos na cara. E o Anarquismo como um bom cão voltava a ter amizade com ele.

Durante uma época de bastante sujeira nas águas, o Liberalismo aparentemente infectado ficara doente. O Marxismo e o Anarquismo aproveitaram para lhe encher de porrada e tomar um pedaço considerável da piscina. Foi então que o Anarquismo viu quem era seu amigo, pois quando tentou estabelecer um diálogo com suas ideias, o Marxismo, agora mais forte e soberbo, lhe espancou como nunca antes e expulsou-o de seu lado dominado. Assim, o Anarquismo teve que voltar para o lado do Liberalismo, que era mais resiliente e permissivo. Após este acontecimento o Marxismo construiu um muro para salvaguardar seu mundo particular, mas era um muro baixo que permitia olhar para o “quintal” do vizinho e até tramar uma futura invasão. O Marxismo propôs a limpeza das águas, mas seu plano era algo autoritário e que parecia não terminar nunca. Era necessário obedecer com sofreguidão suas regras.

E enquanto isso, o Iluminismo estava cada vez mais sujo e obscuro. Nem de longe parecia o paraíso como dantes. O Liberalismo doente e exercendo mal sua soberania, deu possibilidade para o nascimento de outro sujeito. Atendia-se pelo nome de Nazismo. Queiram vocês não conhecê-lo jamais. Mas era também, como os outros, filho do Iluminismo e nascera de suas águas (já sujas, é verdade). Nazismo era um sujeito autoritário, possuía uma mistura de sapiência e misticismo estranha, porém seu poder de persuasão e a crise que atravessavam todos na piscina possibilitaram sua ascensão. Foi crescendo aos poucos e suas práticas operavam sob um silêncio sepulcral. A propaganda em seu favor era muito forte, sua dominação em determinada área da piscina era como no balanço de um pêndulo hipnótico.

A partir de certo tempo o crescimento do Nazismo estabeleceu companheiros tão autoritários e violentos quanto ele, o Fascismo era um desses. Sua hegemonia começou a preocupar o Marxismo e o Liberalismo, seus eternos rivais. Foi então que o Nazismo aproveitando da doença do Liberalismo começou a avançar sobre sua área usando de métodos de horror explícito. Foi preciso, por isso, uma união impensável, entre Marxismo e Liberalismo para que as águas uma vez límpidas do Iluminismo não se tornassem negras de tanto sangue. Graças ao Marxismo, forte e guerreiro, e a inteligência e experiência do Liberalismo, o Nazismo e o Fascismo foram derrotados. Contudo, alguns filhos militares ilegítimos ainda apareceram, como o Franquismo, o Salazarismo e o Costa-e-Silvismo sob a resiliência do Liberalismo.

Depois desta longa batalha, o Liberalismo conseguiu recuperar sua saúde, ainda a duras penas, é verdade. Durante longos anos dividiu com o Marxismo a hegemonia da piscina. Mas as águas estavam sujas para ambos os lados. Com o passar do tempo, o autoritarismo do Marxismo foi aumentando e seu plano de limpeza nunca chegava ao fim, foi então que aqueles que moravam do seu lado começaram a olhar por cima do muro. E do lado de lá enxergavam um líquido que não tinha no mundo de cá. Convenhamos que dentro de uma piscina de água quente um líquido gelado cai muito bem. Esse líquido de cor negra, que chamavam de Coca-Cola, era a maior propaganda do Liberalismo. Descontentes, os marxistas quebraram o muro que os separavam dos liberais e puseram fim ao sonho de uma sociedade igualitária (que não era nada igual até aquele momento). Enfim, puderam experimentar a Coca-Cola. A piscina passava novamente disposta à soberania do Liberalismo com uns pequenos focos dos filhos do Marxismo.

Mas o Liberalismo sofreu fortes abalos e quase teve uma parada cardíaca há pouco tempo. O Anarquismo que esteve sumido durante muito tempo é olhado com mais cautela nos tempos safados. Mas alguns dizem que ele precisa se libertar dessa piscina, se reinventar, desistir dos sonhos de uma piscina eternamente limpa aceitando que o lodo que se forma em seu chão é um ser natural e irremovível. Seria então melhor sair logo desta piscina. Alguém te estende à mão do lado de fora. É o Pós-Estruturalismo, rapazinho desacreditado da piscina, odeia líquido, prefere o ar, nem fez questão de entrar na água. E mesmo sem nela ter mergulhado já xingou o Liberalismo de santo e rapadura e colocou em vexame o Marxismo, que por sua vez, está dramaticamente se afogando e às vezes estende a mão na superfície pedindo socorro ao velho amigo surrado Anarquismo, enquanto o Liberalismo assiste a cena de digna de Hollywood num canto da piscina.

O Pós-Estruturalismo grita para que o Anarquismo não salve o Marxismo, mas o Anarquismo muito confuso e generoso fica em dúvida. O Anarquismo tem vários “eus” dentro de si, uns pedem para salvar o Marxismo e novamente travar batalha contra o Liberalismo pela hegemonia da piscina, mas outros “eus” querem sumir daquele lugar e montar moradia em outro local que não seja aguado demais. Em contrapartida, o Pós-Estruturalismo não tem nenhum projeto coletivo, não visa uma utopia, só quer sair dali e ver os que ficaram na piscina se afogarem a qualquer momento. O que fará o Anarquismo? O que acontecerá na piscina? Isso só os deuses do tempo nos dirão.

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