sexta-feira, 3 de junho de 2011

Carta aos emancipados intelectuais

O professor autônomo deve primeiro questionar suas fontes documentais, abandonando deste modo a tradição positivista, que aceitava “verdades” prontas de “documentos oficiais” sem repensar suas intenções, o contexto social neles expressos e o autor. Aliás, é preciso antes de tudo, ir direto às fontes e depois ler os comentadores das fontes. Mas porque estou falando isto?

Durante esta semana, através de jornais televisivos e noticiários on-line, tomei contato com uma discussão que muito me chamou atenção a respeito de um determinado livro didático comprado pelo Governo Federal. Segundo o jornal paulista O Estadão, este livro tem a intenção de tratar os pobres como coitadinhos e des-instruir nossas crianças para habilidades de domínio da Língua Portuguesa, tendo em vista que utiliza expressões coloquiais em algumas lições.

Primeiro: o livro não faz apologia a grafia incorreta da norma culta portuguesa, muito pelo contrário, o que ele aborda é que existem outros códigos de linguagens existentes, sobretudo na fala oral, cujo os quais não precisam respeitar critérios tão restritos definidos pela filologia da língua latina portuguesa historicamente estabelecida.

Sobre isso, eu gostaria de comentar que, seguindo essa lógica, os "ricos", as elites economicamente estabelecidas, deveriam então dominar completamente a língua-mãe (madrasta?), mas não é isso que acontece. Existem regionalismos linguísticos diversificados nos diferentes estados, apenas unidos por esta inventada e forjada nação. Nação unida por uma língua padrão herdada de europeus, que usaram e abusaram de povos que viviam aqui e de povos que trouxeram para cá.

Apesar de forçosamente tentar me adequar ao que chamo de português mínimo, sou da opinião de que a função básica da linguagem é transmitir a comunicação de um enunciado, portanto, se consegue fazê-lo, ótimo. Acredito que a linguagem deve servir ao povo, ser instrumento da sociedade e não o contrário. Me parece que temos nos tornado escravos da língua, de que não é mais ela que deve se adequar (mesmo que historicamente se transformando) a nós, mas sim que devemos servi-la a todo custo. Assim voltaremos ao positivismo.

Segundo: o texto do Estadão fala sobre crianças. E o livro é destinado ao EJA (Educação para Jovens e Adultos). Ou seja, são pessoas que a educação primária, conteudística, livresca, rebuscada, arcaica (seja de escola pública ou particular) falhou. Repetir o método seria válido? O que é melhor, ensinar locuções conjuntivas adverbiais ou pensar criticamente usando o pouco que sabe, mesmo que através da fala oral pouco instrumentalizada? Acho que o ensino fundamental incompleto do Lula nos mostrou que o doutorado em Sociologia do erudito FHC nem sempre significa uma hierarquia superior de conhecimento, vide a redução da pobreza e alavancada da economia nacional na gestão do nordestino. Talvez, se esse pessoal do Estadão lesse o Paulo Freire[1] (que tanto a gente xinga e já até ultrapassou na Universidade) entenderiam do que eu falo. Ou talvez entendam e estejam apenas fazendo política.

Ok, eu também sou um crítico extremo do Governo do PT, com seus Dirceus, Palloccis e Mensalões...mas temos que saber quais armas usar para criticá-los; com certeza, as melhores não serão as mesmas usadas pela Imprensa Golpista ligada às oligarquias da direita, que viram seus candidatos serem derrotados. Primeiro por um ex-operário sem dedo, e depois por uma ex-comunista que lutava contra a ditadura militar. Engraçado! É a mesma ditadura que O Estadão, A Folha de São Paulo, A Rede Globo e outras mídias golpistas apoiavam.

Quando a disciplina de História perdeu algumas aulas no Ensino Médio, não vi uma reportagem sequer a respeito de tal acontecido. É óbvio, ensinar História é perigoso. Sim, perigoso para quem tem muito a esconder, porque a informação crítica e diversificada é a melhor arma para desmontar um falso discurso democrático.

Nenhum tipo de informação ou conhecimento deve ser assimilado previamente como verdade pronta e acabada. Porque a autonomia, a emancipação intelectual e a liberdade de pensar é construída somente após uma pesquisa crítica onde existem visões plurais.

Leiam outros jornais. Questionem! Faz bem para a saúde mental.
___________

1Refiro-me ao conceito de “conhecimento bancário” que é capaz de tornar uma pessoa extremamente “culta”, através de uma enxurrada de informações, que em grande parte de sua vida não lhe serve para coisíssima nenhuma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Real Time Analytics